quarta-feira, 2 de abril de 2008

Razões que a razão desconhece

Dou uma última baforada no cigarro, o fumo àspero e quente percorre a garganta até sentir a sensação de bloqueio nos pulmões, sustenho-a por um bocado e finalmente expiro. Atiro a beata para a areia e movimento o meu pé ao jeito do twist, riu para mim própria com esta associação e começo a deslocar-me na direcção do meu carro. A escuridão da praia deserta não é um problema, a lua cheia ilumina-me o caminho fazendo reflectir a minha sombra no areal disforme, como se de um ser etéreo se tratasse. Abro a porta do carro e lá está ele, o seu rosto descansado, angelical enquanto dorme, o seu corpo descontraído sobressaindo os seus músculos levemente tonificados, toda esta visão traz-me à memória os instantes que ainda há pouco vivemos. O calor que os nossos corpos emanaram, embaciando os vidros. A explosão de prazer que partiu do confim mais recôndito dos nossos seres. Percorro o teu rosto com os meus dedos, levemente, de olhos fechados vou imaginando o teu sorriso, o teu olhar ternurento, o jeito que fazes com a sobrancelha quando dizes algo com um segundo sentido. Lembro os tempos que passámos juntos, sozinhos e acompanhados pelos nossos amigos, dos passeios que fizemos, das músicas que dançámos, do amor que sentimos. Um grito cavernoso brota do meu interior, ecoa na minha cabeça com todo o seu fulgor fazendo-a zunir ao ponto de cerrar os dentes e libertar um olhar irritado para o espelho que teima em exibir o meu reflexo orgulhoso. Uma lágrima desponta de mim e como se um leve mosquito pousasse sobre o botão de um detonador desfiro um golpe no espelho. Uma dor lancinante percorre-me e culmina numa fonte vermelha que cai dos nódulos da minha mão. Tu acordas, olhas-me pasmado ainda meio ensonado e totalmente desnorteado. Começas por balbuciar qualquer coisa mas nem te dou tempo, beijo-te desesperadamente enquanto abro a porta do carro e empurro-te abruptamente. Ficas sem reacção e permites que eu feche a porta, que a tranque e ligue o carro. Fujo de ti e mais lágrimas irrompem a flor dos meus sentidos, sinto-me como se tivesse rebolado num roseiral com uma infinidade de chagas latejando, chamando a atenção para si, individualmente. Porque não me impediste?