quarta-feira, 28 de novembro de 2007

1.5 - Revelação

Tu tu tu tu tu tu. Que barulho ensurdecedor é este?! Ergo a cabeça e percebo que não estou na minha cama, nem tão pouco em minha casa. Arbustos contorcem-se ao sabor de uma ventania tresloucada, artificial. Descubro um helicóptero a sobrevoar-me. Ouço gritos, vozes graves, severas, impõem respeito aos cães que latem de forma aflita, percorrendo tudo com o seu faro apurado. Não percebo o que se passa aqui mas o meu instinto leva-me a permanecer oculto, pelo menos enquanto tal for possível. Aproveito-me da minha posição elevada e da dificuldade de ascensão para me deslocar furtivamente por entre arbustos e rochas. Ao agarrar-me a um caule de um arbusto uma dor aguda congela-me os músculos, imobiliza-me como o veneno de um predador que espera a hora mais indicada para iniciar a sua refeição. O meu braço... ferido! Da breve análise que lhe fiz deu para perceber que se tratava de uma bala, lembrando os homens, armados, que ainda agora avistara, a ideia de me levantar, tornar-me visível, ficara totalmente fora de questão. Faço um esforço por quebrar esse feitiço da imobilização que me havia envolto e recomecei a minha deslocação. Ainda não percebo a que se deve tudo isto, mas o meu instinto de sobrevivência está a zunir como um alarme enlouquecido, tentar ser racional parece-me uma coisa de loucos neste momento. Mas porquê?! Porque sou perseguido?! A esta hora deveria estar no emprego, mas em vez disso encontro-me num sítio desconhecido, ferido, sendo perseguido, sem a mínima noção do que acontecera que o justifique. A minha memória, que ultimamente parece mais uma manta de retalhos, atraiçoa-me, apunhala-me pelas costas ao não me revelar o que fizera entre ter ido à praia, ontem, desanuviar após mais um dia de trabalho e esta manhã surreal. Os latidos, agora mais próximos, interrompem este meu estado letárgico e fazem-me voltar à realidade. O meu coração denuncia o nervoso que me afecta, acelerando desenfreadamente como se se tratasse de um carro desportivo, com uma única mudança, que se aproxima vertiginosamente do limite das suas rotações. Perco a pouca senilidade que me mantinha agachado e precipito-me numa correria. Novamente as vozes, desta feita tornaram-se imperativas, ordenando-me que parasse. Um ruidoso estrondo, como o provocado por um trovão seco oriundo de uma tempestade muito perto, assustou-me. Num impulso tento parar, mas o terreno escorregadio de uma íngreme descida engole-me, suga-me. Numa tentativa desesperada recorro reflexivamente aos arbustos que me ladeiam, tento agarrar algo. Por fim consigo suster todo o peso do meu corpo em movimento com a força do meu braço esquerdo. Encontro-me suspenso no ar. Lá em baixo as ondas agridem violentamente a formação rochosa deste penhasco. Como vim aqui parar?! O que fiz eu para merecer isto?! Apesar de não perceber a razão de tudo o que me está a acontecer, não me sinto injustiçado. O facto de estar encostado a uma parede sendo ameaçado por uma pistola empunhada por um doente de Parkinson também não me aflige como era de esperar. O que me atormenta são as imagens que principiam a aparecer na minha memória, como se os pedaços originais da manta quisessem voltar aos seus respectivos lugares, expulsando os retalhos que os haviam substituído. Imagens de rostos, situações de cólera, violência despropositada, e satisfação genuína deixam-me incrédulo. Como fui capaz?! Porquê?! Surge uma mão fardada de azul, os lábios de quem a estende movimentam-se, lentamente, mas o som que emitem soa-me abafado e incoerente. Os seus olhos transmitem desprezo, ódio, congratulam-se por me ver assim, mas ao mesmo tempo suplicam-me para que lhe agarre a mão. Esboço um sorriso de trejeito, como quem pede desculpa e deixo-me ir... agora sim, sei o que estou a fazer.

1.4 - São cada vez mais.

TraaaaBUuuummmm! Permaneço a olhar o mar, o céu cinzento de inverno adequa-se ao frio que trespassa a carne dos meus pés, directamente ao osso percorre-me um arrepio glaciar. Os meus pêlos eriçam-se e sinto o vento passar por eles fazendo-os bailar com pézinhos de lã, graciosamente, deixando a sensação de ser o palco central de uma marcha de milhares de formigas. O som da ondulação, após o ribombar da sua formação, quando se insinua pela areia de uma forma indecente, sensual, fazendo os pequenos grãos desta estremecer de prazer como se vivessem uma viagem louca numa montanha russa, assemelha-se ao ar que desloca inúmeras folhas ressequidas de uma zona arbórea, até que por fim é absorvida em parte pela areia, mas essencialmente pelo seu pai que a chama de volta para uma nova investida, uma nova tentativa de sedução e, por fim, a conquista da costa. O odor a maresia rodeia-me, entranha-se nos meus poros. Não há outra altura em que a maresia tenha um odor tão fresco, tão livre, tão hipnoticamente perigoso como no inverno. O entorpecimento dos sentidos é como que subjugado pelo odor, pelo ribombar da ondulação e pela sensação gélida proporcionada por toda esta experiência. Desenterro os meus pés, parecendo perfeitos cubos de gelo, e desloco-me pela areia como se pisasse ínfimos pedacinhos de vidro fazendo novamente os meus pêlos eriçarem-se e com que eu tente, infrutiferamente, ter os pés assentes o mínimo de tempo possível. Paro subitamente e relembro o que me havia trazido cá, olho em frente e vislumbro uma sombra espectral vermelha incandescente, franzo os olhos e sinto elevar-se a minha força, o meu espirito fica possuído por uma vontade irascível, odiosa e aniquiladora. Deixo de ouvir o que quer que seja, sinto apenas um odor nauseabundo e pestilento a peixe misturado com álcool de péssima qualidade e suor, a minha visão torna-se focada num alvo e tudo à minha volta se revela turvo, deformado, como se me deslocasse a uma velocidade vertiginosa. Pego numa rocha áspera, as suas formas irregulares e pontiagudas ferem-me a mão que sente o ardor provocado pelo sal da água, ainda presente nesta, que se mistura com o meu sangue. Aproximo-me do meu alvo velozmente e desfiro um golpe atroz. Ouve-se um som abafado e sinto algo quente espirrar para a minha cara, o seu corpo queda-se pela areia mas eu não paro, continuo a desferir golpes até saciar este ódio que me percorre a alma. Ultimamente vejo cada vez mais e mais monstros, demónios e seres, pura e simplesmente, maus. Quero acabar com este como se se tratasse de todos esses outros. Sinto-me acalmar, o cheiro a maresia, agora misturado com o agri-doce do sangue inunda-me as narinas. Ouço vozes ao longe, parecem gritar. Repentinamente sinto uma dor agonizante, olho para o meu braço direito e encontro-o ensanguentado, mais ainda do que seria de esperar após o abate daquela criatura, viro-o e apercebo-me da fonte de todo este vermelho vivo que jorra de mim, uma bala! Disparam sobre mim! Estão loucos?! Acabei de vos fazer um favor... imbecis! Não desejo ficar e descobrir porque atiram sobre mim, precipito-me em direcção ao penhasco e desapareço na sua vegetação rochosa.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

1.3 - Irascível

Que irritação! Ando estranho ultimamente, tudo, por mais pequeno que seja, me provoca uma irritação tremenda, e essa propensão para a irascibilidade gratuita não me deixa contente comigo próprio. Deve ser do pouco que tenho descansado, de há uns meses para cá que acordo sempre exausto, não me recordo dos sonhos, mas sei que são desagradáveis. Para ajudar à festa, é extenuante o meu contexto profissional. Pessoas a queixarem-se constantemente, ainda que pouco ou nada façam, e os enormes prazos de resposta a qualquer acção que se queira tomar. Impressiona a forma desconcertada como tudo parece estar implementado e no entanto, as coisas aparecem feitas, a funcionar, ainda que seja mais tarde do que cedo. Para além disto, os media só falam dos corpos mutilados que têm sido encontrados. Adoram estas desgraças. É o que vende mais e o público devora cada novo artigo ou reportagem com uma intensidade como se a sua vida dependesse da informação lá contida. Acreditam mesmo que serão as próximas vítimas?! Provavelmente sim. Ou então é o seu subconsciente justiceiro, subjugado desde pequenino pela formatação socialmente aceitável, que anseia por se mostrar nem que seja em pequenas discussões entre amigos, tentando apresentar argumentos que sustentem as suas teorias ao mesmo tempo que refutam as teorias contraditórias. Por vezes até eu me quedo em leituras sobre esses casos. A própria polícia não parece saber bem o que procurar, ou o que julgar. Apesar das semelhanças entre os casos, também existem factos contraditórios que quase excluem por completo a hipótese de se tratar da obra de um único maníaco. Por vezes dou por mim a olhar em meu redor e a pensar “Não seremos todos maníacos?!”. Continuamos a esfalfar-nos horas seguidas por um ordenado que nunca parece chegar para as nossas necessidades. As nossas necessidades! Logo que satisfeitas dão origem a outras, sempre num patamar acima. Maslow e outros autores desenvolveram teorias sobre isso, mas em todas elas havia um cume, um tipo de necessidade que era o auge, após a qual não existe mais nenhuma que a exceda, o que existe é sempre necessidades recorrentes, que apesar de serem satisfeitas uma e outra vez, surgem novamente. O ridículo é essa busca incessante pela satisfação de necessidades nos consumir o tempo todo, não fazemos mais nada! Até quando dormimos estamos a cumprir com uma necessidade, a do descanso. Estamos a descansar e ao mesmo tempo a trabalhar, a trabalhar para o descanso, o que... só em si, cansa! O 1º cadáver encontrado, uma jovem, bonita por sinal, encontrava-se trespassada por um pau, a julgar pelo estado do seu corpo foi violentamente mutilada. Quando a polícia conseguiu identificá-la, já outros dois homicídios haviam ocorrido, em locais totalmente distantes e de formas díspares. Cá para mim estamos perante um, ou vários indivíduos que atingiram um ponto de ruptura nesse ciclo de cumprimento de necessidades. O pior de tudo é que mesmo estando consciente de tudo isto, consigo visualizar-me a enveredar por essa ruptura também. É algo inevitável. Como se de uma nova necessidade se tratasse. A fuga à banalidade, à repetição intemporal. A sociedade está chocada! Porquê?! É uma questão de equilíbrio mental. A sociedade perfeita não existe, julgo que já todos o sabemos. Se não existirem estes tratamentos de choque toda ela enlouquecerá. Assim são apenas pequenos fogos que cedo ou tarde serão apagados, mas que obtêm o seu principal propósito... lembram-nos de que o nosso mundo é inflamável. “Já viu isso?! Está tudo louco. Desatam assim a assassinar pessoas indiscriminadamente e ninguém faz nada. É sempre a mesma coisa!”, após a surpresa em ouvir esta voz cavernosa dirigir-se a mim, não pude deixar de pensar que era mais uma observação irritante e inteiramente desnecessária. E esta mania, absurda, de meter conversa com alguém totalmente desconhecido, apenas e só porque está a ler um artigo sobre a actualidade mais badalada. Não pude evitar retorquir “E você, tem feito algo para resolver estes casos?!” – fui obviamente indelicado, mas não totalmente despropositado – após o embaraço inicial, o homem de meia idade, com um bigode típico, sinais claros a indicar uma obesidade excessiva e o rosto rosado denunciando a dificuldade em exercer qualquer tipo de esforço físico, até mesmo o simples acto respiratório parecia ser uma tarefa extenuante na vida deste, hesitou até responder num murmúrio quase imperceptível “Se faço alguma coisa?! Que descaramento. Não sou eu que tenho de fazer alguma coisa... sinceramente...” no entanto, nem ele próprio parecia muito convicto da sua razão. Dei por mim de olhar fixo neste homem, a pensar “Mais um que se apercebeu do quão insignificante é a sua vida! Mais um que teme, do fundo do seu ser, que alguém o descubra para além dele e resolva tomar-lhe a vida. Disfarça melhor meu caro, pois até eu posso cair nessa tentação.”.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

1.2 - A iniciação após o despertar.

Está frio e a humidade cola-se a mim como se procurasse um sítio em que poderia secar-se. Acordo com pingos a encharcarem-me a cara como se estivesse no meio de dezenas de relógios, todos a soarem o seu “tic-tac” de forma descompassada. Ergo-me e logo perco o equilíbrio, estou em terreno incerto, macio, mas com pormenores rígidos e de formas desordenadas. Está um breu desgraçado, nem mesmo as minhas mãos, mexendo-as à frente da minha cara, me são visíveis. Fecho os olhos, concentro-me e oiço... oiço os pingos a caírem suavemente em superfícies de textura variada, oiço sons agudos, uns mais distantes, outros mais perto, mas todos eles imperceptíveis na sua individualidade. No entanto, no seu todo, eu diria que estou no meio do mato, ou de uma floresta, isso justificaria a falta de luz, deve ser por causa da copa das árvores, provavelmente densa. Vejo uns rasgos de luz ténue, esbranquiçada mas sem ter aquele tom artificial. Luz lunar. Preparamo-me para ir na sua direcção mas sou subitamente retido. Algo me agarrou?! Ou foi impressão minha?! Da escuridão surge uma voz, forte, decidida, mas ao mesmo tempo meiga e compreensiva. “Enfim acordaste. Parece-me que a Madalena exagerou na dose. Bom, vamos ao que interessa, se te estás a perguntar quem é este que te fala? Onde estás? E essas perguntas todas... deixa-as de lado. Já sabes a resposta a todas elas, caso contrário não terias sido escolhido.” Estranhamente tudo fazia sentido para mim, era como se o meu subconsciente absorvesse a informação, a processa-se e depois realizava uma apresentação resumida para que o meu eu consciente compreendesse. Fiquei calado. A voz tomou o meu silêncio como a perfeita compreensão do que havia proferido e continuou “Hoje é o culminar do teu despertar e a tua iniciação. Tens uma missão para cumprir, se o fizeres a iniciação terá sido bem sucedida. Caso contrário esquecerás tudo o que te foi, até agora, revelado e regressarás à tua vida de sonâmbulo.”. Fiquei novamente em silêncio. “Muito bem. Volta a cerrar os olhos, concentra-te, tal como estavas a fazer ainda há pouco. Quando vires o mundo que conheces assumir formas espectrais, como se se tratasse de essências a pairar pelo ar, estás a ver o mundo tal como ele é. O mundo real. Tudo o que existe liberta energia, é isso que passarás a ver sempre que saíres do mundo alternativo para o mundo real.”. Fechei novamente os olhos, concentrei-me. Agora tudo se havia calado, não percepcionava um único som, o silêncio total impressiona! Quando os abri, vislumbrei as tais auras. A floresta mostrava-se para mim. Tudo aquilo que nem há 5 minutos me era totalmente desconhecido surgia agora como nunca havia visto. Um enorme rastro branco surgiu à minha frente. Assumia formas curvas, altos e baixos até perder de vista. Naquilo que parecia ser o seu fim avistei um ponto vermelho, foquei-o e senti um ardor doloroso, um grito percorreu-me o cérebro, um odor pérfido inundou-me as narinas. “Já lhe encontraste o rastro! Faz o que tens a fazer!”. Enveredei pelo rastro, a correr desenfreadamente como se de uma estrada se tratasse. Ramos trespassavam-me a pele, deixavam a sua marca como que a lembrar-me de que tudo o que produz energia pode ser sentido, de uma forma ou de outra. Agarrei um ramo de um azul turquesa vivido e arranquei-o. Sentia a sua energia pulsar na minha mão. Alcancei o espectro vermelho ao fim de algum tempo de perseguição. Parecia não querer fugir, mas também não ansiava pelo confronto. Agora perto dele, o odor nauseabundo que emanava era mais intenso, mas não era repugnante, era mais uma espécie de aviso de que não se tratava de um ser para brincadeiras. Ao sentir-me saltou na minha direcção. Um salto de uma magnitude inconcebível no mundo alternativo, mas bem real pelo que me era dado a ver. Num ápice deixei a minha forma humana, alternativa, assumindo uma aura branca, da mesma tonalidade do rastro que havia seguido. Ergui o ramo que havia colhido e também eu, num salto irreal enfrentei a fera.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

1 - O despertar.

Ouço o som de chamada de atenção do intercomunicador. Será que foi feito algum estudo para perceber qual o som que mais captava a atenção das pessoas? É que o som tanto no metro, como no comboio, ou até mesmo num centro comercial é tremendamente semelhante. Seguidamente surge uma voz feminina, o porquê de ser feminina também é algo que me escapa. Em Praga era normalmente masculina. Provavelmente é uma questão cultural. A voz anuncia “próxima paragem, Monte Estoril”. Tudo isto foi assimilado pelo meu inconsciente enquanto leio um thriller psicológico de um autor japonês. Subitamente a leitura torna-se turva, desconexa e incoerente, ergo o meu olhar e vislumbro rostos familiares, há já um certo hábito na selecção da carruagem e dos lugares ocupados nesta, o sentimento de vazio encontra-se expresso na maioria desses rostos, olhares direccionados para nada em concreto, perdidos, feições sem qualquer expressão de alegria ou infelicidade. Impressiona o número de pessoas que estão presentes numa só carruagem e a forma como os seus olhares, apontando em diversas direcções, não interceptam outro olhar. Não o querem fazer... pois numa troca de olhares realiza-se um diálogo, um diálogo mudo que muito conta sobre nós. Olho para a minha direita, vejo a estação a ficar no passado recente, o comboio vai deixando lentamente o apeadeiro, olho para a esquerda e lá estás tu. O teu rosto delineado de forma exótica, o teu vestuário de executiva, o perfume enebriante descompassa-me os sentidos. Há algo estranho em ti, para além da sensualidade. Olhas para mim e sinto uma impetuosidade tamanha que me esmaga contra o metal da carroçaria, a temperatura gelada deste assemelha-se a vários punhais trespassando a flor dos meus nervos. Estabeleces um diálogo comigo, por mais que tente não consigo desviar o olhar. Ninguém reage! É o normal, estão todos no seu sonambulismo habitual. Dizes-me que fui escolhido. Escolhido?! Escolhido para quê?! Tudo isto era pronunciado através da intensidade com que as tuas retinas fitavam as minhas, não havia qualquer emissão de som para além dos habituais numa viagem de comboio, tudo à minha volta parecia congelado no tempo. Repentinamente fez-se luz, percebi o que querias dizer, era tão óbvio, tão cristalino que se revela de uma dificuldade extrema percepcioná-lo sem que alguém nos guie, pelo simples facto de que estamos socialmente formatados para olhar para além disso... ou melhor, para olhar aquém disso. Ficamo-nos somente pelos estereótipos sem tentar perceber os dois lados dessa eterna fronteira. Assenti com um gesto de cabeça e permanecemos como dois estranhos, cada um olhando para o nada, tal como deveria ser.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Custa acreditar!

Uuuuuussshhhhhhh!! O frio gélido trespassa-me a face, o vapor exalado do interior dos meus pulmões, quentes e repletos de vivacidade, paira no ar rarefeito. O sono abandona-me, deixa-me solto para ser tomado nos braços da adrenalina. E eu cedo. Cedo ao chamamento da vertigem, do enturpecer dos sentidos, da vontade de ganhar mais e mais velocidade. Sentir os flocos de neve numa luta desenfreada por se reagruparem novamente perante o deslocar do meu peso. A descida envolve-me, aconchega-me, seduz-me e eu deixo-me ir livremente, pairo como o vapor da minha respiração numa correria enlouquecida contra a resistência aerodinâmica. Quando finalmente paro, realizo que estou exausto, como se tivesse sido agredido de forma selvagem. Mas a felicidade, a alegria, essas permanecem em mim, não me deixam esquecê-las, agarram-se às profundezas do meu interior como se fossem lapas e expulsam debaixo de vassouradas a súbtil ideia de estar cansado, ou mesmo insatisfeito com o que quer que seja. Lentamente, após a sua instalação, despertam em mim um sorriso inocente, infantil... genuíno.

Desperto do transe em que entrei e digo "sim"... "gostaria muito de te ver novamente!".