quarta-feira, 11 de junho de 2008

Razões que a razão desconhece III

Um cheiro activo, demasiadamente doce, irrita-me o nariz. Sinto uma comichão percorrer-me o corpo, pega-se a mim desde o interior como uma gosma pútrida e fétida da qual não nos livramos nem com uma barra inteira de sabão azul e um esfregão de aço. Sempre que a vejo não consigo evitar este tipo de sensação, a forma como se pavoneia diante de todos, os constantes gracejos que lhe emitem, os raios de sol que emanam do seu sorriso, o andar felino que parece fazer até as cabeças recentemente guilhotinadas se virarem para a admirar! Detesto-a! Esmaga totalmente o meu auto-controlo, deixa-me o sistema nervoso parecido com o processador de um 286 enquanto tenta processar imagens 3D. Tudo isto deixa-me incrivelmente excitada, muito para-além de um lémur que bebeu 2 litros de café, e ele gosta. Não percebe o porquê de eu querer que me fale de ti, ou o porquê de eu querer saltar-lhe para cima sempre que estivemos os três no mesmo sitio, depois de termos partilhado olhares, comentários travessos, observações mordazes. A culpa é toda tua, ele sabe que é, mas não sabe porquê. Eu também sei que a culpa é tua. Apesar de todos os sentimentos visceralmente odiáveis que vêem ao de cima sempre que te vejo, sempre que penso em ti, não consigo ser superior, não te consigo esquecer nem consigo fazer esquecerem-te. Convenhamos que eu não sou propriamente de deitar fora, corpo robusto, desportista mas não pervertidamente distorcido para além da feminilidade socialmente aceite, inteligente, bonita, e com um requintado "saber estar" na alta-sociedade. No entanto, sempre que estás presente, podia ser facilmente considerada uma serva ranhosa... Mas hoje é o dia. Hoje o robô teleguiado que comandas a teu belo-prazer descobriu os teus segredos mais profundos e repugnáveis. Quem achas que lhe abriu os olhos?! AHAHAHAHAH! Devias ter visto o seu olhar de cachorro abandonado, ensacado e sovado cruelmente. Quase não consegui suster um sorriso, de triunfo, de alegria, de satisfação. Quando o vi empunhar aquela faca quase quis que ele a usasse em mim para me fazer parar de lhe implorar que não te maltratasse, mas os meus olhos lacrimejavam mais do que a minha razão podia perceber. O meu coração latejava. O mundo desabou deixando-me em queda livre. Só agora consegui perceber que tudo o que eu queria não consegui ter, mas consegui com que mais ninguem o tivesse!

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Razões que a razão desconhece II

Após conduzir durante aquilo que me pareceu uma eternidade, os meus olhos ardem inescrupulosamente. Lanço um olhar para o espelho desfeito em cacos, as minhas dezenas de reflexos mostram-me um ar abatido, desconsolado. Os meus olhos, vermelhos, inchados, como dois seios de uma mãe que não produziu leite suficiente para o seu filho insaciável estão incapazes de lacrimejar uma gota mais. No rádio uma voz feminina canta:

Woooohh
Do you believe
In what you see
There doesn't seem to be anybody else who agrees with me
Do you believeIn what you see
Motionless wheel
Nothing is real
Wasting my time
In the waiting line
Do you believe inWhat you see
Desperta-me da inércia em que me encontrava, curioso como certas músicas captam bem o estado de espírito em que nos encontramos. Sinto-me como se o tempo tivesse parado, como se a realidade que vejo fosse apenas fruto da minha imaginação... mas não, a dor que me aperta o coração é demasiado forte, como se me deslocasse num jacto em manobras contra-natura experimentando forças G para além do que é humanamente possível de aguentar. O meu peito parece ceder perante tamanha pressão, sinto dificuldade em respirar, coloco a minha mão sobre o peito enquanto arquejo, o meu coração dispara para mil à hora. Aproximo-me da berma para poder descansar e é quando percebo que estou junto a uma estação de serviço. Saio a custo do carro, desloco-me sobre aquilo que parecem ser dois caules de trigo ressequido após a colheita, sinto que a mais leve brisa me pode derrubar. Peço um café à jovem adolescente borbulhenta que se encontra de serviço enquanto me sento para descansar. O local é pobremente iluminado e a decoração parece saida de um filme dos anos 70, sobre o velho Oeste. A jovem agarrou numa pequena chaleira e refugiou-se na cozinha, nem uma máquina expresso têm! Ahh como é bom reparar novamente nas trivialidades, dou por mim muito mais relaxada, o batimento cardíaco parece ter regularizado e o peso que me sufocava o peito parece ter desaparecido. Esboço um sorriso tímido por mostrar finalmente sinais de retoma quando reparo nele! O seu rosto meu encoberto por uma sombra deixa antever uma crueldade, uma desfiguração que nenhuma acção humana, física poderia ter provocado. Ele olha para mim fixamente, uma sensação gelada percorre-me desde o interior e sinto as minhas pernas novamente como varas verdes. Refugio-me na casa de banho, molho a cara com água fria e procuro com uma ténue esperança encontrar uma réstia de confiança, auto-segurança, aquela personalidade decidida que sempre me caracterizou, mas o meu reflexo transmite-me exactamente o oposto. Como pude ter caído neste abismo, do qual não encontro salvação?! Passo as mãos novamente pelo rosto, inspiro profundamente e penso numa vontade irresistivel de fumar. Isso, um cigarro serve para me acalmar. Abro os olhos e vejo novamente um rosto, desta feita foi o rosto que deixei poucas horas antes naquela praia deserta, mas não como me recordava dele. O seu olhar inexpressivo, contrasta com a sua expressão facial de desespero, medo e assombração. Gotas vermelhas caiem do seu pescoço decepado. Sinto os meus músculos endurecerem como nunca senti, não respondem a qualquer ordem que lhes dê, nem sei bem se o meu próprio cérebro responde à minha vontade de dar ordens. Pareço estar sobre um feitiço congelante, vejo tudo o que se passa, sei o que vai acontecer, quero reagir mas nada acontece. Por detrás está novamente aquele olhar frio, selvaticamente aterrorizador, agora à luz fluorescente das lampadas da casa de banho reconheço-o, embora esteja diferente, desfigurado daquilo que me lembrava. Não é deste rosto que me lembro quando trocámos votos, no entanto agora apresenta uma transfiguração empunhando uma faca e nem uma palavra. Sinto o chão gelado debaixo do meu corpo, no entanto isso não parece impedir uma subita vontade de fechar os olhos e dormir, a luz no tecto parece extinguir-se lentamente, mas as minhas pálpebras mantêm-se abertas, ouço o som abafado de uma porta a bater e em seguida... escuridão.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Razões que a razão desconhece

Dou uma última baforada no cigarro, o fumo àspero e quente percorre a garganta até sentir a sensação de bloqueio nos pulmões, sustenho-a por um bocado e finalmente expiro. Atiro a beata para a areia e movimento o meu pé ao jeito do twist, riu para mim própria com esta associação e começo a deslocar-me na direcção do meu carro. A escuridão da praia deserta não é um problema, a lua cheia ilumina-me o caminho fazendo reflectir a minha sombra no areal disforme, como se de um ser etéreo se tratasse. Abro a porta do carro e lá está ele, o seu rosto descansado, angelical enquanto dorme, o seu corpo descontraído sobressaindo os seus músculos levemente tonificados, toda esta visão traz-me à memória os instantes que ainda há pouco vivemos. O calor que os nossos corpos emanaram, embaciando os vidros. A explosão de prazer que partiu do confim mais recôndito dos nossos seres. Percorro o teu rosto com os meus dedos, levemente, de olhos fechados vou imaginando o teu sorriso, o teu olhar ternurento, o jeito que fazes com a sobrancelha quando dizes algo com um segundo sentido. Lembro os tempos que passámos juntos, sozinhos e acompanhados pelos nossos amigos, dos passeios que fizemos, das músicas que dançámos, do amor que sentimos. Um grito cavernoso brota do meu interior, ecoa na minha cabeça com todo o seu fulgor fazendo-a zunir ao ponto de cerrar os dentes e libertar um olhar irritado para o espelho que teima em exibir o meu reflexo orgulhoso. Uma lágrima desponta de mim e como se um leve mosquito pousasse sobre o botão de um detonador desfiro um golpe no espelho. Uma dor lancinante percorre-me e culmina numa fonte vermelha que cai dos nódulos da minha mão. Tu acordas, olhas-me pasmado ainda meio ensonado e totalmente desnorteado. Começas por balbuciar qualquer coisa mas nem te dou tempo, beijo-te desesperadamente enquanto abro a porta do carro e empurro-te abruptamente. Ficas sem reacção e permites que eu feche a porta, que a tranque e ligue o carro. Fujo de ti e mais lágrimas irrompem a flor dos meus sentidos, sinto-me como se tivesse rebolado num roseiral com uma infinidade de chagas latejando, chamando a atenção para si, individualmente. Porque não me impediste?

quarta-feira, 12 de março de 2008

Título para quê?!

Passas por mim deixando o teu odor, suave, fresco como uma noite de verão em que uma leve brisa faz chegar a maresia ao meu sentido olfactivo. O teu olhar expressivo diz-me mais do que mil palavras, penetra-me por breves instantes, percorre-me a alma e ilumina-me a percepção. Sigo-te como que enfeitiçado, sentindo o rubor na minha face, originado pelo sangue que começa a circular mais rapidamente e aquece o meu corpo, enche-me de energia! Abres a porta e desapareces, deixando-a encostada. Entro atrás de ti e sou subitamente arrebatado contra a porta que se fecha com um estrondo, os teus lábios beijam os meus sôfregamente, envolvo-te num abraço, forte, quero sentir-te junto a mim, o teu calor juntamente com o meu, o correr do teu coração, a tua respiração ofegante... Tiras a minha camisola num gesto brusco, impaciente. percorres o meu peito, o pescoço, as costas, com as tuas mãos levemente arranhando a minha pele arrepiada com os beijos que vais dando em locais estratégicos, que conheces bem. Ponho as minhas mãos em volta da tua cintura e arremesso-te contra a parede, num gesto de violência sedutoramente súbtil, percorrendo a tua pele por debaixo do top sinto-a arrepiar-se enquanto te contorces ao ritmo dos meus beijos no teu pescoço, na tua orelha. Dispo-te o top e beijo-te o peito, soltas um breve gemido e entrelaças as tuas pernas à minha volta, apertando-me fortemente enquanto te contorces respirando ofegantemente junto ao meu ouvido. dás um impulso na parede e atiras-nos para o sofá, desenlaças as tuas pernas e despes-me as calças. Inicias uma viagem descendente, beijando e acariciando-me com os teus lábios até chegares junto do meu sexo, altura em que te puxo para mim e beijo apaixonadamente. Desaperto-te as calças, reviro-te para debaixo de mim e começo a retira-las ao mesmo tempo que percorro as tuas coxas, lindas, suaves, com os meus lábios. Cedendo ao desejo, como um fruto cede ao passar do tempo, ponho as tuas pernas novamente em torno de mim, sentindo-as entrelaçarem-se como um hera se entrelaça numa árvore e perscruto o teu interior recheado de sensualidade feminina, pulsando sensualidade e desejo, afagando o meu órgão masculino no auge da sua virilidade.

quinta-feira, 6 de março de 2008

"Síndrome de David"

Há dias em que me sinto um "David", resignando-me à minha pequenês perante a forte e impunente estatura de outros. Mas ao contrário de "David", a minha determinação dilui-se tal como as pétalas de um dente-de-leão se perdem ao sabor de uma corrente de ar um pouco mais forte, dando lugar à sensação de angustia e impotência, como "Sansão" sentiu mal lhe cortaram o cabelo. A falta de poder e os parcos argumentos que me atrevo esgrimir só servem para me mirrar mais, como se fosse um balão cheio de ar mas com um nó pouco vedante, que exige uma constante baforada para o manter na sua plena forma, no seu ponto ideal, aquele ponto em que atinge todo o esplendor e beleza que pode sonhar alcançar, mas no qual luta contra a derrota inevitável que será o seu murchar e voltar a ficar vazio. Para além deste triste fado, temos ainda outros balões, que por infeliz acaso do destino, nasceram com uma maior superfície de borracha, e uma cor mais atraente, a quem parecem dar nós bem dados, permanecendo, num período de tempo que parece eterno, no fulgor da sua existência, relegando para segundo plano todos os outros. Podemos sempre invocar a determinação e coragem de "David", desafiando os gigantes ao tentar voar mais alto que estes. Uns conseguem... outros não. No fim todos murchamos e voltamos ao que éramos, mas não na sua forma original, pois as marcas daquilo que entretanto atingimos permanecem, para nos assombrar.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Começar de novo

O que se passa comigo?! Vejo o mundo pelos meus olhos como se fossem de outra pessoa, as cores, os rostos, a claridade, tudo me parece novo, como se fosse um recém nascido. Os sons assustam-me, provocam espasmos de reacção involuntários em jeito de adaptação a algo totalmente desconhecido. Os toques parecem choques electricos, descarregando um chorrilho de sensações à flor da pele em breves milisegundos. Ainda mal recomposto de tamanha surpresa começo a enveredar contra a corrente que me inunda o consciente de sensações diversas, todas elas estranhas, mas confortáveis, agradáveis, prazerosas! É o meu inconsciente que me guia, ordena o deslocar dos meus membros inferiores numa determinada direcção, a qual não identifico imediatamente. Transporta-me por caminhos incertos, cheios de irregularidades, obstáculos e desafios que transpõe com uma facilidade e destreza física assustadora. Está decidido a atingir a sua meta, e nada o deterá... me deterá. Por fim os meus pés detêm-se. Ergo o olhar e uma súbita ternura invade-me, aquece-me a ponto de fazer queimaduras de 2º grau no meu peito. Um suave aroma, doce, fresco, hipnotizante, atrai-me como o pólen atrai as abelhas. Aterro num toque macio, quente e arrepiado. Ouço uma respiração ofegante juntamente com um batimento cardíaco, alterado, correndo desenfreadamente. Junto os meus lábios ao teu ouvido e digo com uma voz em jeito de suspiro: "Enfim encontrei-te".

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Rascunho

Após um virar de página do meu bloco de esquiços, uma nova banda sonora começa a tocar. Melodias suaves invocando sensações positivas, momentos de alegria, inundam-me o espirito, iluminam um esboço do que está prestes a ser escrito. A sensualidade dos traços firmes e angulosos hipnotisa-me, seduz-me a ponto de querer me fundir com o papel, fazer parte da mensagem que este pode transmitir e despertar emoções a quem quero me dirigir. Sorrio mentalmente enquanto vou cantarolando. A minha mão vai cedendo aos caprichos da música que me invade, num movimento fluído a história segue o seu rumo, naturalmente, vai-se embelezando como uma mulher que se cuida para seu próprio prazer, retocando até o mais ínfimo pormenor, porque o todo nada mais é do que a soma das várias partes, e nada pode ser deixado ao acaso. O fio vai-se desenrolando, feliz, sem qualquer preocupação sobre os obstáculos que possa encontrar, continua em perseguição do seu propósito de juntar as pontas e formar um mundo só seu, onde nada se possa perder, excepto ele próprio.
Estou a viver esta história. Não sei como vai terminar, mas estou a gostar da viagem.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

I - A representação da minha vida

Há dias em que me sinto guiado, conduzido, por uma força superior, algo inexplicável. A sensação de que não controlo o meu próprio destino é aterradora, deixa-me nervoso, obriga-me a refugiar-me num mundo de criatividade e imaginação, tentando sofregamente discernir uma solução, uma forma de quebrar a rotina traçada. No entanto, tudo o que penso e executo parece estar previamente traçado, como se o meu livre arbítrio mais não fosse do que uma ilusão provocada por uma droga alucinógenea tornando o mundo em que vivo mais agradável e aconchegante. A sensação de impotência alastra-se até aos meus poros, arrepia-me a pele e enrijece os meus músculos. Condiciona-me os movimentos. Limita-me o pensamento. Isto mais não é do que um condicionamento psicológico, mas confrontá-lo seria como um pequeno fantoche que luta por retirar a mão que o comanda desde as entranhas. Há dias assim... em que me sinto um marreta actuando perante um público difícil de agradar, tentando entretê-lo, fazê-lo esquecer a dura realidade que abandonou mal entrou na sala de espectáculos. O problema é que o público representa o meu eu consciente, realista, o enredo representa o meu subconsciente que tenta entreter, ou até mesmo orientar o público... e eu, personagem principal, sinto-me perdido, sem saber bem as deixas e o posicionamento correcto em palco. Profiro palavras sem saber bem o que dizem, desloco-me sem saber bem o que pretendo mostrar. O "ponto" gesticula para mim, manifesta desagrado no seu rosto. O público não vaia nem aplaude. E eu... não páro de representar.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Gostar é querer

Gosto da forma como defendes, com unhas e dentes, as tuas opiniões. Gosto de te ver fechar os olhos, inclinar a cabeça e rodar o pescoço em jeito de descontração muscular. Gosto do leve trejeito que os teus lábios pronunciam quando te toco carinhosamente no pescoço. Gosto quando suspiras audivelmente, manifestando publicamente o teu cansaço, e depois deitas a tua cabeça no meu colo e sucumbes de bom grado ao passear dos meus dedos pela floresta densa do teu cabelo. Gosto da forma como inclinas levemente a cabeça assim que te abraço por trás, ansiando o aconchego dos meus lábios na pele macia e perfumada do teu pescoço. Gosto quando me abraças, forte, e choras, partilhas a tua dor comigo. Gosto quando cuidas de ti, das pequenas pausas que fazes no dia-a-dia em que cumpres o ritual de adoração ao teu corpo, em que o amacias, o embelezas, o perfumas. Gosto quando sorris, do som, agradável, amigável, feliz. Gosto quando cruzas o olhar comigo em locais públicos, da forma como não precisas falar para que tudo faça sentido para mim. Gosto da forma como marcas presença, onde quer que estejas, distingues-te, reluzes como um farol, não sendo egoísta ao ponto de querer que reparem nele, mas querendo sim avisar do perigo que pode representar o ignorar da sua aproximação. Gosto de todas essas pequenas coisas que te tornam única para mim. Quero-te...