quarta-feira, 21 de novembro de 2007

1.2 - A iniciação após o despertar.

Está frio e a humidade cola-se a mim como se procurasse um sítio em que poderia secar-se. Acordo com pingos a encharcarem-me a cara como se estivesse no meio de dezenas de relógios, todos a soarem o seu “tic-tac” de forma descompassada. Ergo-me e logo perco o equilíbrio, estou em terreno incerto, macio, mas com pormenores rígidos e de formas desordenadas. Está um breu desgraçado, nem mesmo as minhas mãos, mexendo-as à frente da minha cara, me são visíveis. Fecho os olhos, concentro-me e oiço... oiço os pingos a caírem suavemente em superfícies de textura variada, oiço sons agudos, uns mais distantes, outros mais perto, mas todos eles imperceptíveis na sua individualidade. No entanto, no seu todo, eu diria que estou no meio do mato, ou de uma floresta, isso justificaria a falta de luz, deve ser por causa da copa das árvores, provavelmente densa. Vejo uns rasgos de luz ténue, esbranquiçada mas sem ter aquele tom artificial. Luz lunar. Preparamo-me para ir na sua direcção mas sou subitamente retido. Algo me agarrou?! Ou foi impressão minha?! Da escuridão surge uma voz, forte, decidida, mas ao mesmo tempo meiga e compreensiva. “Enfim acordaste. Parece-me que a Madalena exagerou na dose. Bom, vamos ao que interessa, se te estás a perguntar quem é este que te fala? Onde estás? E essas perguntas todas... deixa-as de lado. Já sabes a resposta a todas elas, caso contrário não terias sido escolhido.” Estranhamente tudo fazia sentido para mim, era como se o meu subconsciente absorvesse a informação, a processa-se e depois realizava uma apresentação resumida para que o meu eu consciente compreendesse. Fiquei calado. A voz tomou o meu silêncio como a perfeita compreensão do que havia proferido e continuou “Hoje é o culminar do teu despertar e a tua iniciação. Tens uma missão para cumprir, se o fizeres a iniciação terá sido bem sucedida. Caso contrário esquecerás tudo o que te foi, até agora, revelado e regressarás à tua vida de sonâmbulo.”. Fiquei novamente em silêncio. “Muito bem. Volta a cerrar os olhos, concentra-te, tal como estavas a fazer ainda há pouco. Quando vires o mundo que conheces assumir formas espectrais, como se se tratasse de essências a pairar pelo ar, estás a ver o mundo tal como ele é. O mundo real. Tudo o que existe liberta energia, é isso que passarás a ver sempre que saíres do mundo alternativo para o mundo real.”. Fechei novamente os olhos, concentrei-me. Agora tudo se havia calado, não percepcionava um único som, o silêncio total impressiona! Quando os abri, vislumbrei as tais auras. A floresta mostrava-se para mim. Tudo aquilo que nem há 5 minutos me era totalmente desconhecido surgia agora como nunca havia visto. Um enorme rastro branco surgiu à minha frente. Assumia formas curvas, altos e baixos até perder de vista. Naquilo que parecia ser o seu fim avistei um ponto vermelho, foquei-o e senti um ardor doloroso, um grito percorreu-me o cérebro, um odor pérfido inundou-me as narinas. “Já lhe encontraste o rastro! Faz o que tens a fazer!”. Enveredei pelo rastro, a correr desenfreadamente como se de uma estrada se tratasse. Ramos trespassavam-me a pele, deixavam a sua marca como que a lembrar-me de que tudo o que produz energia pode ser sentido, de uma forma ou de outra. Agarrei um ramo de um azul turquesa vivido e arranquei-o. Sentia a sua energia pulsar na minha mão. Alcancei o espectro vermelho ao fim de algum tempo de perseguição. Parecia não querer fugir, mas também não ansiava pelo confronto. Agora perto dele, o odor nauseabundo que emanava era mais intenso, mas não era repugnante, era mais uma espécie de aviso de que não se tratava de um ser para brincadeiras. Ao sentir-me saltou na minha direcção. Um salto de uma magnitude inconcebível no mundo alternativo, mas bem real pelo que me era dado a ver. Num ápice deixei a minha forma humana, alternativa, assumindo uma aura branca, da mesma tonalidade do rastro que havia seguido. Ergui o ramo que havia colhido e também eu, num salto irreal enfrentei a fera.

2 comentários:

Roxanne W. disse...

hum...desta vez não ha gritos guturais, há florestas que preenchem-nos os sentidos e que nos revelam o que sempre soubemos que de nós era escondido...mais uma vez a letargia do mundo conhecido contrasta com o despertar vívido do "herói"...afinal do que nos devemos esconder? do que devemos temer?porque temos que acordar?

Anónimo disse...

...frases que nos prendem e nos levam à imaginação...escreve bem sim sr...continua.. por vezes é bom sair desta realidade e deixar-nos ficar nos teus textos..sabe bem...
Beijocas
me