quarta-feira, 28 de novembro de 2007

1.4 - São cada vez mais.

TraaaaBUuuummmm! Permaneço a olhar o mar, o céu cinzento de inverno adequa-se ao frio que trespassa a carne dos meus pés, directamente ao osso percorre-me um arrepio glaciar. Os meus pêlos eriçam-se e sinto o vento passar por eles fazendo-os bailar com pézinhos de lã, graciosamente, deixando a sensação de ser o palco central de uma marcha de milhares de formigas. O som da ondulação, após o ribombar da sua formação, quando se insinua pela areia de uma forma indecente, sensual, fazendo os pequenos grãos desta estremecer de prazer como se vivessem uma viagem louca numa montanha russa, assemelha-se ao ar que desloca inúmeras folhas ressequidas de uma zona arbórea, até que por fim é absorvida em parte pela areia, mas essencialmente pelo seu pai que a chama de volta para uma nova investida, uma nova tentativa de sedução e, por fim, a conquista da costa. O odor a maresia rodeia-me, entranha-se nos meus poros. Não há outra altura em que a maresia tenha um odor tão fresco, tão livre, tão hipnoticamente perigoso como no inverno. O entorpecimento dos sentidos é como que subjugado pelo odor, pelo ribombar da ondulação e pela sensação gélida proporcionada por toda esta experiência. Desenterro os meus pés, parecendo perfeitos cubos de gelo, e desloco-me pela areia como se pisasse ínfimos pedacinhos de vidro fazendo novamente os meus pêlos eriçarem-se e com que eu tente, infrutiferamente, ter os pés assentes o mínimo de tempo possível. Paro subitamente e relembro o que me havia trazido cá, olho em frente e vislumbro uma sombra espectral vermelha incandescente, franzo os olhos e sinto elevar-se a minha força, o meu espirito fica possuído por uma vontade irascível, odiosa e aniquiladora. Deixo de ouvir o que quer que seja, sinto apenas um odor nauseabundo e pestilento a peixe misturado com álcool de péssima qualidade e suor, a minha visão torna-se focada num alvo e tudo à minha volta se revela turvo, deformado, como se me deslocasse a uma velocidade vertiginosa. Pego numa rocha áspera, as suas formas irregulares e pontiagudas ferem-me a mão que sente o ardor provocado pelo sal da água, ainda presente nesta, que se mistura com o meu sangue. Aproximo-me do meu alvo velozmente e desfiro um golpe atroz. Ouve-se um som abafado e sinto algo quente espirrar para a minha cara, o seu corpo queda-se pela areia mas eu não paro, continuo a desferir golpes até saciar este ódio que me percorre a alma. Ultimamente vejo cada vez mais e mais monstros, demónios e seres, pura e simplesmente, maus. Quero acabar com este como se se tratasse de todos esses outros. Sinto-me acalmar, o cheiro a maresia, agora misturado com o agri-doce do sangue inunda-me as narinas. Ouço vozes ao longe, parecem gritar. Repentinamente sinto uma dor agonizante, olho para o meu braço direito e encontro-o ensanguentado, mais ainda do que seria de esperar após o abate daquela criatura, viro-o e apercebo-me da fonte de todo este vermelho vivo que jorra de mim, uma bala! Disparam sobre mim! Estão loucos?! Acabei de vos fazer um favor... imbecis! Não desejo ficar e descobrir porque atiram sobre mim, precipito-me em direcção ao penhasco e desapareço na sua vegetação rochosa.

1 comentário:

Roxanne W. disse...

novamente o autor arranca-nos para um capitulo com um som estridente...somos impelidos para o abismo, o do suicídio...porque dispararam sobre mim? porque lhes fiz um favor?