segunda-feira, 19 de novembro de 2007

1 - O despertar.

Ouço o som de chamada de atenção do intercomunicador. Será que foi feito algum estudo para perceber qual o som que mais captava a atenção das pessoas? É que o som tanto no metro, como no comboio, ou até mesmo num centro comercial é tremendamente semelhante. Seguidamente surge uma voz feminina, o porquê de ser feminina também é algo que me escapa. Em Praga era normalmente masculina. Provavelmente é uma questão cultural. A voz anuncia “próxima paragem, Monte Estoril”. Tudo isto foi assimilado pelo meu inconsciente enquanto leio um thriller psicológico de um autor japonês. Subitamente a leitura torna-se turva, desconexa e incoerente, ergo o meu olhar e vislumbro rostos familiares, há já um certo hábito na selecção da carruagem e dos lugares ocupados nesta, o sentimento de vazio encontra-se expresso na maioria desses rostos, olhares direccionados para nada em concreto, perdidos, feições sem qualquer expressão de alegria ou infelicidade. Impressiona o número de pessoas que estão presentes numa só carruagem e a forma como os seus olhares, apontando em diversas direcções, não interceptam outro olhar. Não o querem fazer... pois numa troca de olhares realiza-se um diálogo, um diálogo mudo que muito conta sobre nós. Olho para a minha direita, vejo a estação a ficar no passado recente, o comboio vai deixando lentamente o apeadeiro, olho para a esquerda e lá estás tu. O teu rosto delineado de forma exótica, o teu vestuário de executiva, o perfume enebriante descompassa-me os sentidos. Há algo estranho em ti, para além da sensualidade. Olhas para mim e sinto uma impetuosidade tamanha que me esmaga contra o metal da carroçaria, a temperatura gelada deste assemelha-se a vários punhais trespassando a flor dos meus nervos. Estabeleces um diálogo comigo, por mais que tente não consigo desviar o olhar. Ninguém reage! É o normal, estão todos no seu sonambulismo habitual. Dizes-me que fui escolhido. Escolhido?! Escolhido para quê?! Tudo isto era pronunciado através da intensidade com que as tuas retinas fitavam as minhas, não havia qualquer emissão de som para além dos habituais numa viagem de comboio, tudo à minha volta parecia congelado no tempo. Repentinamente fez-se luz, percebi o que querias dizer, era tão óbvio, tão cristalino que se revela de uma dificuldade extrema percepcioná-lo sem que alguém nos guie, pelo simples facto de que estamos socialmente formatados para olhar para além disso... ou melhor, para olhar aquém disso. Ficamo-nos somente pelos estereótipos sem tentar perceber os dois lados dessa eterna fronteira. Assenti com um gesto de cabeça e permanecemos como dois estranhos, cada um olhando para o nada, tal como deveria ser.

3 comentários:

Roxanne W. disse...

curioso meu caro é o facto de reconhecer em si marcas recorrentes no seu discurso, tal como a presença de um grito, de um som estridente principalmente no inicio do seu discurso... será que o autor pretende acordar-nos do tal sonambulismo a que nos remetemos quando estamos perante estranhos?
talvez sim, talvez não...talvez arriscar doa mais no momento, já que a fustigação do não arriscar se arrastará pelo futuro fora...

ps- afinal o que ela queria dizer?

Madeiras disse...

Cá para mim este gajo anda a dormir muito...é o que é!!
E pelos vistos, é acordado de forma violenta com uma buzinadela que lhe faz estremecer os tímpanos...

Daqui a nada começa outro post dizendo que fica a salivar com o som da campainha!! Por falar nisso, cuidado com os sinos na época natalícia...Eheheh...Já estou a imaginar a quantidade de cães de Pavlov que por aí vagueiam, alienados e amorfos, salivando aí pelas ruas...

Andrea (Zingo) disse...

O novo blog do Tiago!!
Desejo-te um bom inicio e vou esforçar-me para perceber tudo em portugues e deixar comentarios dignos! :-)
Atè breve!